Quando nos principiamos no caminho do Yoga, independentemente do método, prática ou tradição, mais tarde ou mais cedo iremos confrontar-nos com algumas dificuldades. Essas dificuldades poderão ser sentidas como obstáculos e causar algum tipo de retrocesso ou desapontamento ou poderão converter-se em vigorosos impulsos para uma aprendizagem pessoal.
Algumas dessas atribulações poderão causar aquilo a que chamamos de "lesões". Quando referimos a palavra lesão, no fundo estamos a fazer alusão a um termo não muito específico e que é utilizado para descrever qualquer dano ou mudança anormal nos tecidos de um organismo vivo.
Assim sendo, será necessário primeiramente entender que uma lesão pode passar por diversas áreas como ferimentos, contusões, traumatismos, entorses, luxações, fraturas, etc. O termo lesão poderá ser também entendido como uma disfunção somática, o distúrbio ou o mau funcionamento de um segmento corporal ou orgânico.
Por ser uma circunstância frequente nas aulas práticas de asana (posturas de yoga), é um assunto muito proferido na comunidade do Yoga pelo que a procura de respostas tem vindo a aumentar cada vez mais.
Creio que seria importante para a grande maioria dos professores de yoga despenderem algum tempo no estudo da anatomia e biomecânica do corpo humano assim como também da prática e alinhamento do asana para que pudessem, pelo menos, ter algumas noções do corpo humano e da sua motricidade.
As circunstâncias que podem levar um aluno/praticante a lesionar-se são inúmeras. Tanto o professor como o aluno podem ter algum impacto na causa dessa lesão por isso o ideal é ambos serem cautelosos e prevenirem-se da melhor forma possível.
Não existe uma equação para prevenirmos lesões que sirva a todos.
Seriam necessários muitos anos de estudo tanto de yoga como em várias áreas da medicina para conseguir um bom acompanhamento e abarcar um grande número de condições, limitações e até mesmo patologias.
No entanto, de forma a prevenirmos algumas lesões podemos ter em conta alguns pontos básicos:
. Manter a atenção plena no corpo e na respiração durante a prática, corpo nunca mente por isso qualquer sinal de desconforto ou dor devem ser tidos em consideração;
. Procurar ser acompanhado por um professor competente, pelo menos durante os primeiros anos de prática;
. Questionar sempre que surgir qualquer tipo de reflexo antiálgico (que protege contra a dor) ou mesmo algum desconforto articular e nesse caso procurar alternativas para a execução dessa postura de yoga;
. Aprender com os erros passados onde nos tenhamos magoado ou lesionado e eventualmente aprender também com os erros dos outros se conhecermos algum colega que se tenha lesionado;
. Entender que ninguém vai sentir o corpo como nós sentimos e diante disso é importante manter uma boa comunicação com o professor;
. Alertar o professor de todas as lesões, condições e limitações físicas antes de iniciar as aulas;
. Se for professor, tentar saber a condição e limitações do aluno e no caso de incertezas, investigar e procurar ajuda;
. Em situações em que o aluno é acompanhado por um médico, pedir consentimento desse médico para a prática de asana.
Outro aspeto pouco mencionado é a lesão do professor causada por ajustar o aluno sem se posicionar primeiro corretamente ou a demonstrar uma postura à pressa.
Em algumas ocasiões, durante a prática, poderemos experienciar uma dor positiva como por exemplo a dor vinda do esforço de manter a permanência da postura sem danos colaterais. Para isso em primeira instância é necessário saber discernir uma dor boa de uma dor má, algo que se vai desenvolvendo ao longo dos anos com a própria experiência que a prática nos traz. Em caso de dúvida nunca se deve forçar ou exacerbar a intensidade da prática nem atacar o corpo.
Para distinguir mais concretamente algumas dores seria necessário um estudo intensivo em semiologia, por isso deixo aqui apenas alguns pontos básicos que poderão servir coo auxilio mas nunca de uma forma integral.
Será importante ter em consideração quaisquer dores agudas que sintamos diretamente numa articulação como por exemplo, tornozelos, joelhos, ancas, coluna vertebral, ombros, cotovelos e pulsos.
Se for o caso, nunca forçar, possivelmente necessitamos preparar melhor ou abrir alguma zona do corpo que estará a comprometer esses
segmentos direta ou indiretamente.
Se for uma dor muscular por esforço de contração à partida não causará nenhum dano. Da mesma forma também poderemos sentir alguma dor muscular nos dias que se seguem à prática, isso poderá acontecer devido ao acumular de ácido lático ou devido a micro fissuras nos tecidos
musculares. Este tipo de dor é perfeitamente comum e inofensivo.
Também é importante procurar não ser demasiado ambicioso no que diz respeito a fazer "posturas avançadas".
Costumo dizer sempre aos meus alunos que as "posturas avançadas" devem ser uma consequência da pratica e nunca o objetivo.
Se observarmos toda a dimensão do Yoga com tudo aquilo que pode abarcar, sabemos que o corpo é apenas uma ínfima parte desta prática e também a camada mais densa do Ser.
Poderemos constatar que dentro de todos os invólucros que constituem o Ser (referidos nesta tradição como koshas), estamos apenas a tocar no "pico do iceberg. Ainda assim, é a porta que acede a todo o resto, o mais palpável que temos e aquilo que mais facilmente sentimos, percepcionamos e fruímos.
Embora o yoga seja muito mais do que fazer posturas, o corpo não deixa de ser o que nos leva até à sala de aula, o que nos convida aos poucos a penetrar e também a revelar as camadas mais subtis do Ser.
O termo em sânscrito "asana", apesar de estar associado ao que chamamos de "postura de yoga", presumivelmente a origem da palavra significa "sentado" ou poderá inclusive estar relacionado com o local onde nos sentamos, significando algo como "assento".
Existem muitos textos e escrituras na tradição do yoga que referem o termo asana.
Com o intuito de consolidar o asana como uma prática que tradicionalmente vai para além da forma e do físico, irei usar o exemplo de um dos textos mais ilustres e canónicos sobre o yoga chamado de "Yoga sutra", de Patanjali.
Este curto texto contém 196 aforismos e nele encontram-se apenas três versos que referem asana:
O asana deve ser estável e confortável - 2.46
Ao aperfeiçoar o asana o esforço torna-se sem esforço e a atenção emerge no infinito - 2.47
Ao alcançar a perfeição do asana, surge a liberdade não condicionada pela dualidade - 2.48
Aqui podemos ver um exemplo de como o asana traz uma magnitude prodigiosa e expansiva, com agudeza de espírito e que pode ir além do corpo.
Naturalmente só se alcançará esta grandiosidade se esta prática for embebida de uma devoção profunda acompanhada de uma atenção plena e meditativa. Poderemos também colocar a hipótese de que este autor apenas se refere às posturas sentadas para meditar.
Consequentemente a falta de foco e de atenção pode provocar adversidades físicas, por isso a forma como praticamos e a intenção da prática é de extrema importância e ainda mais se servir um propósito contemplativo e manter-nos no âmago do yoga.
Para finalizar, diria que de um modo geral a qualidade de atenção é um dos fatores principais para a prevenção de lesões, tanto do aluno como do professor e poderá também ajudar a ultrapassar alguns obstáculos à prática do yoga.
Também é extremamente importante vivenciarmos e apreciarmos toda a prática com tudo aquilo que ela nos traz de bom e de mau.
Hugo Abecassis